Mónica de Miranda nasceu em Porto, Portugal, mas é filha de angolanos e busca através da arte refletir sobre a ancestralidade angolana, a diáspora africana e outras questões de identidade e geografia. Desenvolve obras em diferentes plataformas como fotografia, vídeo, filme e instalação.
É fundadora e atual coordenadora do projeto Hangar, centro de pesquisa em arte, em Lisboa. Também é pesquisadora afiliada no Centro de Estudos Comparatistas, Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, onde desenvolve projetos sobre cultura visual e movimentos migratórios contemporâneos.
Como júri do Concurso Internacional de Fotografia PHotoFUNIBER’22, entrevistamos a artista para que comentasse sobre sua experiência com a fotografia e algumas reflexões sobre o trabalho artístico.
Como começou e por que começou a trabalhar com fotografia?
Comecei bastante nova a trabalhar em fotografia, quase como uma expressão onde busquei encontrar a minha própria identidade e lugar. Comecei durante a minha adolescência, eu tinha treze anos e, nos meus tempos livres com amigas, costumávamos inventar cenários e recriar as várias situações, e fazer fotografia experimental. E foi assim que começou.
Então, para mim a fotografia foi sempre, desde o início, uma forma de expressão, de encontrar minha identidade, recriar, e de haver uma referência do meu lugar. Surgiu desde nova e, desse entendimento e dessa criação, continuei de maneira contínua até a idade adulta.
Isso começou porque o meu pai tinha uma câmera Pentax em casa e eu comecei a fotografar com a câmara dele. Depois, comecei a fazer a fotografia analógica, criei um estudo analógico onde revelava as próprias fotografias e passava horas e horas provando.
Ou seja, para mim eram mundos onde eu me refugiava na magia de encontrar imagens e recriar um mundo paralelo ao real, ou seja, era uma forma de escape e uma maneira de ajudar nesse período de transição da adolescência.
O que é mais importante para uma boa fotografia?
A questão de uma boa fotografia tem a ver com a forma como nós olhamos e como nós desconstruímos o olhar. Porque o olhar está em si carregado de condicionantes culturais, sociais e estereótipos, sendo alguns bastante inconscientes. Uma boa fotografia para mim é tornar o olhar consciente.
Que aptidões ou competências são necessárias para ser um bom profissional?
Considero que para ser um bom profissional de fotografia se necessitam as mesmas regras para ser um bom profissional em qualquer outro emprego, ou seja, ter disciplina, qualidade criativa, flexibilidade, abertura, confiança, compromisso, conhecimento técnico, estético, contexto de crítica, arte, além de ser superimportante, saber onde incluir o nosso trabalho no contexto geral do estado das artes.
Como júri, que critérios devem ser tidos em conta ao julgar uma fotografia?
O ato de ser júri é um ato de bastante responsabilidade e sendo artista júri também um ato de generosidade. Por ter passado pelo processo de estar do outro lado e ter, de certa forma, um conhecimento dos processos artísticos que levam os artistas a concurso, acho que um júri precisa de ser imparcial na sua decisão. São necessários critérios definidos em relação à forma como vê o trabalho, ou seja, haver uma análise cuidada do portfólio.
Também é importante analisar a maturidade do trabalho dentro de um contexto crítico do estado das artes; saber reconhecer a genuidade da expressão artística e o potencial criativo e de expressão do artista que venha a concurso, ou seja , haver uma certa originalidade e não serem cópias de coisas já feitas. Ter essa capacidade de dialogar, de ter um conhecimento do estado das artes a partir de uma expressão artística genuina.
Precisa de formação formal em fotografia para ser um bom fotógrafo?
No contexto africano, muitos bons fotógrafos não têm uma educação formal, portanto não é a educação formal que vai de certa forma criar um reconhecimento da sua obra.
Não acho que seja necessário. É necessário, porém, um compromisso com a fotografia, com o olhar compromissado também com a própria matéria e o próprio contexto da fotografia. Muito mais do que poderemos ter muitos fotógrafos que têm educação formal e que não têm esse compromisso.
Eu acho que a educação formal pode complementar e expandir o conhecimento, porque é um momento de reflexão, de cuidado, de uma análise crítica cuidadosa, onde há uma estrutura de apoio, de conhecimento, de vários outros fotógrafos e educadores e artistas que podem potenciar o desenvolvimento de um artista. Mas não acho que seja de maneira exclusiva o caminho, até porque na África não há escolas formais de fotografia, e isso não tem sido de nenhuma forma, um impedimento, de haver bons fotógrafos africanos.
Para além do dinheiro do prêmio e da bolsa de estudo, quais são, na sua opinião, as vantagens para os fotógrafos de participar em concursos de fotografia como o PHotoFUNIBER?
Os prêmios criam uma visibilidade para o trabalho e criam um diálogo com um contexto artístico mais alargado. Por isso, para além de haver uma remuneração de um prêmio, também abre o diálogo da expressão para um mundo muito mais amplo e de relações.
Este ano, a guerra na Ucrânia criou uma situação para contar histórias durante um conflito mundial, como podem os fotógrafos ser éticos ao tirarem fotografias relacionadas com a mesma?
A fotografia tem várias vertentes e aproximações quando busca retratar a realidade, ou imaginá-la. A questão da fotografia mais documental, por exemplo, a fotografia de guerra, exige uma atenção mais cuidadosa como em qualquer fotografia em que se representa o outro. Como se representa o conflito, às vezes com uma fotografia documental, principalmente onde imagens contestam uma violência latente e que são consumidas, de certa forma, num outro contexto.
Eu costumo falar que são imagens que criam uma pornografia social, ou seja, imagens de extrema pobreza e mais de extrema violência. Acho que tem que haver uma responsabilidade ética do fotógrafo, de como retratar essa realidade que não é sua, principalmente, neste tipo de fotografia documental de guerra e saber porque é que se faz, como se faz e para quem o faz.
Ou seja, ter um especial cuidado na forma como faz e como retratar o outro e como retratar a guerra, para que não seja somente a criar mais imagens no mundo que apenas criam estereótipos e imagens que só querem chocar. Eu acho que é necessário saber porque é que se faz estas imagens e qual é a nossa motivação entre elas.
Se somos fotógrafos, artistas, criadores, temos sempre essa responsabilidade ética que será diferente de um fotógrafo repórter de guerra e os jornalistas. Ou seja, estamos a falar desde uma perspectiva de la fotografia artística.
Fale-nos de alguns trabalhos recentes que realizou: como foi? Enfrentou desafios para realizá-lo?
Estou neste momento com vários projetos em curso.
Para este ano, tenho exposições de dois projetos. Um chama-se “Ilha”, que é um filme e uma exposição de fotografia que foram feitos durante o COVID, e fala sobre a presença negra em Portugal. Este trabalho foi feito durante a pandemia, ou seja, tivemos mais dificuldades porque havia proibição de circulação. No entanto, conseguimos contornar e criar um trabalho em conjunto com atores e vários criativos, trabalhamos com o diretor de fotografia angolano Rui Sergio Afonso, e com vários músicos para fazer o som. Usamos a arte para escapar, não é, desse apagão do mundo e para refletir sobre essa realidade já que temos esse espaço de expressão.
Então acho que a maior dificuldade foi conseguirmos trabalhar em tempos de pandemia, mas que foram tempos extremamente criativos para mim, quando fiz esses dois projetos.
Outro projeto que também desenvolvi durante o segundo ano da pandemia, em 2021, me exigiu esperar quase um ano para conseguir ir à Angola, porque a situação no país estava bastante pior que na Europa. Não se podia filmar em lado nenhum durante esse tempo e faltavam autorizações que eram impossíveis conseguir. Então tivemos que esperar até agosto de 2021, quando desenvolvi um projeto com a Geração Oitenta de cinema e também com a galeria angolana Jahmek, que é uma série de fotografia com o título “Caminho para as Estrelas”.
“Caminho para as Estrelas” é um projeto que se inspira num poema de Agostinho Neto, que fala sobre como é que nós temos que, de certa forma, imaginar um futuro para conseguir viver um presente que nos condiciona e como imaginar esse lugar nos faz ter esperança de chegar para além de um presente mais condicionado. Eu fiz, assim, uma série fotográfica baseada neste poema dele.
A série foi toda fotografada no Rio Cuanza. As várias dificuldades para mim quando faço um projeto de fotografia se referem às logísticas. No caso deste projeto, fotografar no Cuanza exigiu uma logística gigante porque foi necessário levar atores e modelos em barcos, e garantir que a câmera estivesse adequada para fazer as fotografias. Ter que fazer toda a produção da imagem no lugar no rio, num ambiente natural onde havia muito poucos recursos técnicos ou apoio para a produção das imagens, foi um desafio.
Criamos as imagens quase em movimento e com pouco equipamento, só o fotógrafo com a sua câmara, um assistente, os modelos e esperar que a luz esteja no lugar certo, ou seja, como eu trabalho geralmente no exterior tenho que estar sempre à espera que a luz esteja certa, ou estudar a luz para que consiga fazer as fotos, porque não utilizei equipamentos de iluminação para além da luz natural.
Conheça mais o trabalho de Mónica de Miranda em: https://monicademiranda.org/